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Escrito por: Renato Rodrigues

Advogado, bacharel em Direito pela UERJ, jornalista formado na UFRJ e mestre em Direito pela UFJF, com pós-graduação em Direito Social e Direito Bancário.

23 de março de 2020 | 18H48

CORONAVÍRUS: O QUE O PEQUENO EMPRESÁRIO PODE FAZER PARA PROTEGER O SEU NEGÓCIO

Em tempos de grave crise sanitária decorrente da chegada do Covid-19 (novo coronavírus) ao Brasil, muitos pequenos e médios empresários perguntam-se o que fazer face à quase certa queda nas cadeias de demanda e de oferta. De fato, por um lado prevê-se o achatamento da procura por bens e serviços; por outro, estima-se que o próprio fornecimento de materiais, equipamentos e matéria-prima poderá sofrer interrupções. Some-se a isso o fato de que o pequeno e médio empresário em regra já enfrenta situações de instabilidade econômico-financeira, com constantes flutuações em seu fluxo de caixa, falta de crédito facilitado, incertezas tributárias etc. e tem-se um cenário não muito positivo. Nesse caso, o que pode ser feito, do ponto de vista jurídico, sem maiores riscos? Em termos gerais, pode se dizer que, nesse primeiro momento, o empresário deve atentar para duas áreas em especial: obrigações trabalhistas e contratuais em geral. A seguir, vai um breve panorama das medidas que, em tese, o empresário poderá adotar, obviamente consideradas as peculiaridades de seu ramo de negócio.

 

Obrigações trabalhistas

A Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, introduziu uma série de novidades na legislação trabalhista. Como essa medida provisória tem por objeto reger atos e fatos jurídicos trabalhistas exclusivamente no período do estado de calamidade pública decretado pelo Legislativo, trata-se de norma temporária, de caráter excepcional, destinada à preservação do emprego e da renda. Dentre as providências ali previstas destacam-se:

  1. o teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância: algumas atividades podem ser exercidas fora das dependências do estabelecimento do empregador (por exemplo, alimentação de dados nos sistemas utilizados na empresa, contatos com clientes e fornecedores), desde que notificada por escrito a alteração ao empregado com antecedência, no mínimo, de quarenta e oito horas;
  2. antecipação de férias individuais, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido (isto é, férias já adquiridas e férias proporcionais), desde que, igualmente, haja comunicação por escrito com, no mínimo, quarenta e oito horas de antecedência, sendo que os trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus devem ser priorizados para a concessão das férias. Atenção: eventual requerimento de abono pecuniário (“venda” de dias de férias) está sujeito à concordância do empregador, o qual também poderá optar pelo pagamento do “terço de férias” até a data em que é devido o 13º salário. E o pagamento das férias poderá ser feito até o quinto dia útil do mês subsequente ao início das férias. Já os períodos futuros de férias podem ser antecipados mediante acordo individual por escrito;
  3. férias coletivas: do mesmo modo, mediante aviso com antecedência mínima de 48 horas, dispensada a comunicação prévia ao Ministério da Economia e aos sindicatos representativos da categoria profissional;
  4. Aproveitamento de feriados federais, estaduais e municipais: mediante aviso por escrito, com no mínimo 48 horas de antecedência, o empregador poderá antecipar a fruição de feriados não religiosos, com indicação expressa dos feriados aproveitados. Para o aproveitamento de feriados religiosos será necessária a concordância expressa do empregado;
  5. Banco de horas especial: mediante acordo individual formal ou coletivo, poderá ser instituído um banco de horas especial para compensação no prazo de até 18 meses (antes, um ano), a contar da data do encerramento do estado de calamidade pública. Mas a compensação do período interrompido poderá ser feita com prorrogação da jornada em até duas horas diárias, observada a jornada diária máxima de dez horas;
  6. Diferimento do recolhimento do FGTS: o recolhimento relativo às competências de março, abril e maio de 2020 (com vencimento, respectivamente, em abril, maio e junho de 2020) fica suspenso, devendo ser retomado, de forma parcelada (em seis parcelas mensais) e sem atualização, multa e encargos, a partir de julho de 2020.

 

Todas as providências mencionadas podem ser adotadas de imediato, preferencialmente sob a orientação especializada de um advogado. Já outras providências previstas na MP 927/2020, como a preponderância do acordo individual escrito sobre as normas legais, convenções e acordos coletivos (prevista no art. 2º) e a suspensão dos contratos de trabalho para qualificação do trabalhador (art. 18), apresentam aspectos legais controversos e, portanto, ensejam risco jurídico acentuado neste momento. Fala-se até que a suspensão contratual seria revogada. Recomenda-se cautela. O mesmo pode ser dito em relação à redução de salários e jornada sem anuência do sindicato profissional da categoria.

 

Obrigações contratuais em geral

Regra geral, as obrigações contratuais são feitas para serem cumpridas, isto é, uma vez pactuadas, as cláusulas do contrato viram “lei” entre as partes. Isto é válido para os contratos empresariais (por exemplo, entre fornecedores), civis (locação do imóvel) e de consumo (com os clientes). Claro que há exceções. Por exemplo, as cláusulas que violem disposições de ordem pública, ou que coloquem o consumidor em desvantagem. Mas são exceções que não contrariam a regra geral. Todavia, como ficam os contratos empresariais, civis e de consumo em situações emergenciais, como a que atualmente vivemos?

Há cem anos o mundo viveu situação parecida (embora muito mais grave). A Primeira Guerra Mundial e a Gripe Espanhola deixaram um saldo de milhões de mortes e de desestruturação produtiva. Simplesmente, não havia como cumprir os contratos. Tornou-se corrente naquela época a chamada “teoria da imprevisão”, a qual, em termos gerais, significava mais ou menos o seguinte: os contratos devem ser cumpridos tal qual foram pactuados, mantidas as circunstâncias fáticas na qual surgiram. Se as circunstâncias mudam drasticamente, sem culpa de qualquer das partes e sem que fossem previsíveis as mudanças, a parte prejudicada pode pedir revisão dos contratos.

O Código Civil brasileiro apresenta quatro artigos inspirados pela teoria da imprevisão – 317 e 478 a 480. Assim, a depender das circunstâncias do caso concreto, o contratante prejudicado pelo fato extraordinário e imprevisível pode pedir a resolução (extinção) do contrato ou a sua revisão. Sem prejuízo dessas normas, e especificamente em relação às locações (residenciais ou comerciais), há a possibilidade de revisão do valor do aluguel, após três anos de vigência do contrato, de modo a ajustá-lo ao preço de mercado.

No tocante aos contratos bancários (capital de giro, investimento), o Conselho Monetário Nacional autorizou as instituições financeiras, através da Resolução nº 4.782, a fazer a renegociação em condições facilitadas, até 30 de setembro de 2020, das dívidas mantidas por famílias e empresas que tenham um histórico de adimplência. Isto vale apenas para as dívidas que estejam em situação regular. Na renegociação, o empresário deve prestar especial atenção aos seguintes pontos: se os juros continuam a fluir na vigência da suspensão; se haverá cumulação das prestações vencidas com as vincendas; e se haverá alteração no status cadastral do cliente e na sua pontuação de crédito.

Obviamente, o ideal é que o empresário busque, em primeiro lugar, renegociar os seus contratos, sempre com a assistência jurídica especializada, pois a grave situação criada pelo coronavírus a todos atinge. Todavia, é bom saber que existem alguns remédios jurídicos para a hipótese de se não obter um acordo satisfatório. Pode ser que não sejam suficientes, mas a tendência é que, no curto prazo, novas medidas sejam tomadas para impedir a total paralisação da economia. Aguardemos. 

Em breve, voltaremos ao tema detalhando cada um dos assuntos aqui mencionados.

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