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Escrito por: Renato Rodrigues

Advogado, bacharel em Direito pela UERJ, jornalista formado na UFRJ e mestre em Direito pela UFJF, com pós-graduação em Direito Social e Direito Bancário.

29 de setembro de 2020 | 11H36

PRECATÓRIOS: PORQUE A SOCIEDADE DEVE SE OPOR À PROPOSTA DE MORATÓRIA DO GOVERNO

Está nos jornais de hoje, dia 29 de setembro de 2020: para criar o programa social conhecido como “Renda Cidadã”, o governo cogita incluir proposta de emenda à Constituição para “contingenciar” o pagamento dos precatórios já incluídos no Orçamento federal de 2021. Segundo senadores que participaram da reunião que tratou do assunto, esta seria a forma de atender cerca de dez milhões de brasileiros que vivem na pobreza.

De acordo com o presidente da OAB nacional, Felipe Santa Cruz, a proposta é inconstitucional, pois fere vários princípios da Carta Maior: segurança jurídica, coisa julgada, direito de propriedade etc. Quando foi chamado a julgar propostas legislativas que visavam adiar o pagamento dos precatórios, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou pela inconstitucionalidade das medidas.

Explica-se: o precatório é a forma de cumprimento de uma decisão judicial que já transitou em julgado quando o Réu é um ente público. Quando um particular é chamado a cumprir uma sentença ou um acórdão, na esfera cível, normalmente o credor lança mão de recursos como o arresto, o sequestro ou a penhora. De acordo com a Constituição, os entes públicos (por exemplo, União, Estados e Municípios) gozam de um privilégio processual. Transitada em julgado a decisão e iniciado o seu cumprimento na via judicial, o próprio Tribunal requisita o pagamento através da inclusão no orçamento do exercício seguinte, caso o precatório seja apresentado até o dia 1º de julho de cada ano; ou no orçamento do ano subsequente, caso isso ocorra após aquela data. De todo modo, incluído no orçamento, o precatório deve ser pago até o final do exercício correspondente, devidamente atualizado monetariamente. Ultrapassado este prazo, correrão também juros de mora.

Ocorre que estes credores do Poder Público são majoritariamente pessoas físicas de poucos recursos. De um total de R$ 55,2 bilhões de precatórios previstos para o orçamento de 2012, 43% são beneficiários do INSS (isto é, aposentadorias, pensões e outros benefícios previdenciários). O restante é pulverizado igualmente entre pequenos credores, de natureza diversa. Por exemplo, alguém que tenha sido prejudicado por ações ou omissões estatais – vítima de má prestação de serviços públicos. Pela proposta do governo, daquele total de R$ 55,2 bilhões cerca de R$ 39,4 bilhões deixariam de ser pagos no ano que vem – de acordo com números do jornal Folha de São Paulo, edição de 29.09.2020.

Ou seja, além de inconstitucional, a proposta é moralmente indefensável. Caso aprovada pelo Congresso, milhares de aposentados, pensionistas, pessoas sem outra fonte de renda restariam inapelavelmente prejudicados. Ademais, o adiamento do pagamento implicaria evidente moratória “forçada” dos precatórios, acarretando o aumento da dívida, não apenas pela natural correção monetária, mas também pelo acréscimo dos juros de mora. Isto sem falar na mensagem equivocada que passaria para os outros credores, uma mensagem de incerteza jurídica, que poderia ter graves reflexos na rolagem da dívida pública.

Por exemplo, para aqueles que já obtiveram decisões favoráveis em relação à revisão de benefícios – é o caso daqueles contemplados pela tese conhecida como “revisão da vida toda” -, a implementação da medida cogitada pelo Ministério da Fazenda poderia significar o postergamento, por prazo indefinido, do pagamento dos créditos líquidos eventualmente reconhecidos judicialmente. O mesmo se diga em relação àqueles que já aguardam anos a fio pelo encerramento de um processo que lhes seja favorável. Esperar anos e anos e, ao final, ainda esperar… É o que propõe o Ministério da Fazenda.

Obviamente, não se discute a importância de programas sociais de mitigação da pobreza em nosso País, notadamente diante da nossa notória desigualdade social. Benefícios podem e devem ser criados, ainda que natureza transitória ou condicionada, mas não às custas do direito reconhecido pelo Poder Judiciário àqueles outros tantos, também vítimas da mesma desigualdade social. Admitir que isso ocorra implica reduzir a “zero” a segurança jurídica e a justa e legítima expectativa de reparação de direitos.

Mas, atenção: a proposta do governo só vai passar caso seja aprovada por ⅗ de cada casa legislativa (Senado e Câmara dos Deputados), em dois turnos de votação. Por isso, neste primeiro momento, deve-se divulgar ao máximo as consequências negativas de tal proposta e, num segundo momento, pressionar os deputados e senadores de seu estado para que ela não venha a vingar.

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