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Escrito por: Renato Rodrigues

Advogado, bacharel em Direito pela UERJ, jornalista formado na UFRJ e mestre em Direito pela UFJF, com pós-graduação em Direito Social e Direito Bancário.

4 de setembro de 2023 | 11H13

REVISÃO DA VIDA TODA: O QUE ESPERAR DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO INTERPOSTOS PELO INSS

   Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal ratificou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e editou o Tema nº 1.102 de Repercussão Geral nos seguintes termos: O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável. 

   O INSS interpôs, então, embargos declaratórios com o objetivo de sanar omissões e obter a modulação dos efeitos da decisão, fixando três parâmetros que excluiriam: a) a revisão de benefícios previdenciários já extintos; b) a rescisão das decisões com trânsito em julgado que negaram o direito à revisão; e c) a revisão de benefícios e o pagamento de diferenças anteriores a 13 de abril de 2013 (data da publicação do acórdão do Tema nº 1.102, pelo STF. Este último ponto, diga-se de passagem, praticamente equivaleria a tornar sem efeito a decisão do STF.

   Embargos de declaração são um tipo de recurso muito específico, pois se destinam a complementar a decisão em algum ponto que fora suscitado anteriormente, ou para sanar contradição (interna, no próprio julgado), ou, ainda, esclarecer alguma obscuridade.

   Ora, a decisão do STF não padecia de nenhum daqueles vícios. Tanto isso é verdade, que as omissões apontadas pelo INSS foram rechaçadas em ambos os votos colhidos. Na verdade, o que o INSS pretendia mesmo, com os embargos declaratórios, era alterar mesmo o conteúdo da decisão. Como bem ressaltou o relator: “…a pretexto de sanar omissão, o embargante pretende alargar os lindes da discussão, inclusive de forma extemporânea, o que não se admite, muito menos em sede de embargos de declaração”.

   De todo modo, até agora, os dois votos colhidos deferiram a modulação para excluir a revisão de benefícios já extintos (isto é, que já não estão sendo pagos) e a rescisão (via ação rescisória) das decisões com trânsito em julgado que haviam negado o direito à revisão. Pode-se dizer que, em relação a estes pontos, não houve surpresa.

   Mas o que seria essa modulação de efeitos? Há duas possibilidades previstas em lei: primeiro, no art. 27 da Lei nº 9868/1999, que trata do processo e julgamento de determinadas ações perante o STF, facultou-se àquele Tribunal, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, restringir os efeitos dessa declaração ou determinar um momento específico para a sua eficácia, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Não é o caso do Tema 1.102, pois, em momento algum, cogitou-se da declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei.

   Segundo, o art. 927, parágrafo terceiro do Código de Processo Civil, prevê a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões proferidas pelo STF ou pelos tribunais superiores, na hipótese de alteração da sua jurisprudência dominante. Ao que parece, foi com base nesse dispositivo que os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber encaminharam propostas de modulação – aqui entendida, à exemplo do que menciona a Lei nº 9868/1999, como restrição dos seus efeitos ou fixação de um momento específico para a sua eficácia.

   Ocorre que não houve mudança na jurisprudência do STF. Há pelo menos dez anos o próprio Tribunal fixou o Tema nº 334, que consagra a tese do benefício mais favorável ao beneficiário. Desde 2013, então, já estava consolidado o entendimento de que o INSS deve observar, no cálculo da renda mensal inicial (RMI), o quadro mais favorável. O que houve, segundo os ministros que já votaram, foi uma mudança na jurisprudência do STJ. Veja este trecho do voto do Min. Alexandre de Moraes:

“Efetivamente, ao votar, consignei que, nada obstante o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 334… tivesse assentado que o segurado tem direito ao melhor benefício, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reiteradamente negava a opção pela regra definitiva”i.

   De fato, o próprio STJ, ao consagrar a tese da revisão da vida toda, assinalou que, até aquele momento, “a jurisprudência optou pela prevalência da opção legislativa, consignando que, ainda que a regra de transição implique em situações desfavoráveis a um número de Segurados, há outros tantos beneficiados com a regra de cálculo” , para, em seguida, afirmar que “a matéria merece uma melhor reflexão. Isso porque a ação não intenta tornar sem efeito a regra de transição, mas, tão somente, permitir a opção do Segurado pela regra que lhe for mais favorável” (voto do relator, no Tema 999, do STJ).

   Por tal motivo é que a Min. Rosa Weber sugeriu a modulação dos efeitos da decisão para excluir a rescisão de decisões já transitadas em julgado E o pagamento de diferenças anteriores a 17 de dezembro de 2019 (data da publicação da decisão no STJ), ressalvados os processos ajuizados até 26.06.2019 (data do início do julgamento no STJ), em parcial divergência com o Min. Alexandre de Moraes, que nada estabelecera em relação ao item c da modulação sugerida pela autarquia previdenciária.

   Bom, dito isto, voltamos à pergunta inicial: o que esperar do julgamento final dos embargos de declaração do INSS? Ainda é cedo para cravar um palpite – afinal, falta tomar nove votos -, mas parece bem provável sejam deferidos os itens a e b da modulação. 

   Quanto ao item c, já é mais difícil um prognóstico. Pode-se dizer, porém, que a modulação sugerida pela Min. Rosa Weber é candidata a obter maioria, uma vez que está razoavelmente fundamentada. Todavia, dela se pode discordar, é claro, pois, como dito, o STF já consagrou há pelo menos dez anos a tese do “benefício mais favorável”. Não haveria, portanto, verdadeira mudança jurisprudencial a justificar a modulação.